Discurso da Presidente do Conselho Nacional dos Direitos do Idoso, Dra. Karla Cristina Giacomin – geriatra (SBGG)
Reunião Ampliada de todos os Órgãos Colegiados da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Brasília, 14 de fevereiro de 2011
“Boa-tarde excelentíssima Sra. Ministra, a quem cumprimento todas as demais autoridades presentes e aqui na Mesa. Eu trago uma boa nova: Nós não vamos morrer jovens. Quando soldados romanos iam para a guerra havia uma saudação “Memento mori”. Significa “lembre-se de que você vai morrer”. Hoje estou aqui para dizer: “Memento mori”, mas vocês vão morrer mais velhos. Todos nós vamos morrer mais velhos.
Nessa nossa boa nova eu tenho a dizer que o Brasil envelhece a passos largos, a um ritmo intenso e não estamos preparados para lidar com os desafios que representam cuidar e experimentar a velhice no nosso país. As pessoas que me antecederam falaram de preconceitos. E eu devo dizer que não é novidade para nenhum de nós o preconceito contra a velhice e contra o envelhecimento no nosso país. Esse preconceito que se disfarça na falta de oportunidades, que se disfarça na exclusão do velho dentro da sua própria casa, que se disfarça na apropriação indébita do seu dinheiro por aqueles que vão, em tese, ajudá-lo, a buscar o dinheiro no banco.
A gente trabalha com a seguinte situação: os velhos de hoje, quando crianças, não tinham vez. Porque na época que eles eram crianças, a criança não tinha vez. Quando adultos, não tinham voz. Porque na época que eles eram adultos, estávamos no auge da ditadura e eles não podiam se organizar, se mobilizar e nem falar. E hoje eles chegam à velhice e não tem nem vez nem voz. Então, tomara que São Pedro lhes reserve um bom lugar.
Nós temos que trabalhar na nossa sociedade para que haja justiça para todas as idades, para todos os gêneros, para todas as condições. A população negra vai envelhecer, a indígena vai envelhecer. A criança vai deixar de ser criança, o adolescente vai deixar de ser adolescente. A pessoa com deficiência vai envelhecer. A pessoa com doença mental vai envelhecer. Então, a velhice é o futuro desse país.
Outra coisa que eu gostaria que vocês pensassem é que muito em breve, daqui a 30 anos, de cada quatro brasileiros um será idoso. Nós somos esses idosos. Há dificuldades que nós temos em nos reconhecermos no velho e na velhice, mas ela vai nos alcançar muito mais rápido do que vocês pensam. Então vamos parar de pensar que velho é o outro. A minha velhice eu estou construindo agora, com as minhas escolhas e com as minhas circunstâncias.
Se eu for pobre, e aí eu trago o emblema do novo Governo da Presidenta Dilma, se eu for pobre eu tenho sete vezes mais chance de ser um velho com incapacidade. Se eu perguntar aqui para vocês, quem tem medo de morrer? Poucas pessoas vão levantar a mão ou alguns mais corajosos vão admitir. Quem tem medo de depender? (Quase toda a platéia levantou as mãos). Então, nós temos que combater a pobreza. Mas nós temos que fortalecer a perspectiva de envelhecer com dignidade. E isso não é tarefa pra uma política nem pra um conselho. Isso é uma tarefa do país inteiro. Isso é uma tarefa de gerações. Tem vezes que a gente vem à plenária do conselho e a gente sai motivado, “Poxa, nós conquistamos alguma coisa”. Tem vezes que eu saio da plenária do conselho pensando: nem na minha quinta geração esse país vai aprender alguma coisa em relação ao que seja envelhecer.
Desta forma, penso que o maior papel do Conselho Nacional do Idoso é ser portador dessa boa nova. Nós seremos velhos. Mas a velhice não é um problema de cada um, como tem sido tratado até agora. A velhice é uma conquista. E, como sociedade, nós precisamos conquistá-la. Isso significa garantir a chance de envelhecer com saúde, com dignidade, com trabalho, com respeito, com educação, com habitação, com moradia, com transporte, com a oportunidade de ser o que quiser, com autonomia, com direito a voto e a ser votado… Nós temos que garantir isso. Mas nós também temos que garantir o direito a políticas de cuidado, para o caso de a gente não envelhecer com tanta capacidade assim. E hoje nós trabalhamos para construí-las. Quando a Ministra colocou das terríveis situações que acontecem nos presídios, eu gostaria que nos próximos eventos você incluísse as instituições de longa permanência para idosos.
Os asilos são morredouros. Então, nós queremos mais deste Governo. Era para ser o último lugar de vida e não a ante-sala da morte. O Brasil nem tem idéia do quanto, pois eles não podem falar e a família tem vergonha de precisar colocar o idoso lá. Eu estou aqui com as mãos frias pelo compromisso que isso representa enquanto Conselho Nacional dos Direitos do Idoso. Porque quem está falando aqui não é uma pessoa idosa. Mas eu estou no lugar que representa 21 milhões de idosos. Então, essa pessoa que está falando está falando por todos da população brasileira que é o que o censo vai trazer aí. Então nós temos que estar preparados para essa nova realidade.
Os segmentos da criança e adolescente vão compor uma população, e vocês estão vivenciando isso, cada vez menor. Em contrapartida, a população idosa será uma população cada vez maior. E os direitos, que nós precisamos conquistar pra envelhecer com dignidade, nós temos que conquistar agora. Porque greve de aposentado, meus amores, não resolve. Então, a luta dos aposentados é uma luta que é nossa. Vamos parar de fingir que isso não nos diz respeito. Eu fico vendo as pessoas falarem em investir na infância. A coisa que a gente mais quer é uma infância bonita, bacana.
Porque a gente quer investir na infância. Mas nós, como defensores dos direitos das pessoas idosas, nós temos que parar de entender que na velhice a gente gasta: na velhice a gente não gasta. A gente investe.
Porque velhice também é uma fase de vida humana. Nós não temos data de abate. Se a gente tivesse data do abate… Né? Ia todo mundo bem, um belo dia, abate. Mas não é assim. Nós estamos trabalhando com a perspectiva de termos cada vez mais centenários, a população que mais cresce é população de mais de 80 anos… Um país rico é um país sem pobreza. Mas uma sociedade justa é uma sociedade justa pra todas as idades. É isso que nós, como conselho, queremos perseguir e para tanto vamos precisar de todos. E quando vocês perceberem ou presenciarem qualquer tipo de discriminação contra o velho, por favor, se manifestem. Porque isso é uma discriminação contra nós, contra qualquer um de nós.
E aí, Ministra, eu queria colocar que quando a gente quer mudar um pensamento, a gente tem que atuar na cultura das pessoas que estão com aquele pensamento. Nós temos que atuar na cultura das políticas públicas, que até hoje são políticas absolutamente reativas, reacionárias, passivas, tolerantes com o intolerável, com toda forma de violência e de indignidade.
E o velho de hoje já foi discriminado antes, durante a vida de trabalho. Ele foi um trabalhador sem direitos, ele foi um trabalhador sem Previdência, se ele trabalhou no meio rural ele só conquistou a aposentadoria depois da Constituição de 88, se ele é mulher e trabalhou no meio rural, até hoje está tentando conquistar sua aposentadoria, porque ela não teve como comprovar que ela trabalhou.
Eu creio que a nossa proposta como Conselho é tentar ser mais operante e proativo. E nesse sentido nós estamos de portas abertas. Nós queremos ir ao encontro do Conanda, do Conade, do Conselho da Mulher, dos Conselhos Estaduais, do Conselho contra a Discriminação, do movimento de memória e verdade… Porque esse país precisa da sua memória e as pessoas, quando a gente vê as homenagens que são feitas, as testemunhas da nossa história, estão todos velhos. Somos nós. É a nossa história.
Eu gostaria de concluir dizendo isso: o que a gente espera dessa Secretaria de Direitos Humanos? Que ela nos possibilite, como disse o meu companheiro Feitosa, que ela nos dê a infraestrutura. Infraestrutura em termos de assessoria jurídica, que nós não temos; de assessoria de comunicação, porque nós temos que ter visibilidade para fora, esse conselho não pode existir só para dentro. Infraestrutura em termos de apoio técnico de profissionais, que hoje a gente tem uma Secretaria-Executiva, mas ela é tímida para o tamanho do desafio que eu estou apresentando aqui para vocês, e infraestrutura de diálogo, para que a gente não se sinta isolado e numa constelação muito distante dos outros Conselhos.
Nós queremos integração, nós queremos efetividade e nós estamos à disposição de qualquer pessoa, de qualquer Conselho, de qualquer Comissão dessa Secretaria para tentar lutar a favor de um envelhecimento digno para todos.”
Reunião Ampliada de todos os Órgãos Colegiados da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Brasília, 14 de fevereiro de 2011
“Boa-tarde excelentíssima Sra. Ministra, a quem cumprimento todas as demais autoridades presentes e aqui na Mesa. Eu trago uma boa nova: Nós não vamos morrer jovens. Quando soldados romanos iam para a guerra havia uma saudação “Memento mori”. Significa “lembre-se de que você vai morrer”. Hoje estou aqui para dizer: “Memento mori”, mas vocês vão morrer mais velhos. Todos nós vamos morrer mais velhos.
Nessa nossa boa nova eu tenho a dizer que o Brasil envelhece a passos largos, a um ritmo intenso e não estamos preparados para lidar com os desafios que representam cuidar e experimentar a velhice no nosso país. As pessoas que me antecederam falaram de preconceitos. E eu devo dizer que não é novidade para nenhum de nós o preconceito contra a velhice e contra o envelhecimento no nosso país. Esse preconceito que se disfarça na falta de oportunidades, que se disfarça na exclusão do velho dentro da sua própria casa, que se disfarça na apropriação indébita do seu dinheiro por aqueles que vão, em tese, ajudá-lo, a buscar o dinheiro no banco.
A gente trabalha com a seguinte situação: os velhos de hoje, quando crianças, não tinham vez. Porque na época que eles eram crianças, a criança não tinha vez. Quando adultos, não tinham voz. Porque na época que eles eram adultos, estávamos no auge da ditadura e eles não podiam se organizar, se mobilizar e nem falar. E hoje eles chegam à velhice e não tem nem vez nem voz. Então, tomara que São Pedro lhes reserve um bom lugar.
Nós temos que trabalhar na nossa sociedade para que haja justiça para todas as idades, para todos os gêneros, para todas as condições. A população negra vai envelhecer, a indígena vai envelhecer. A criança vai deixar de ser criança, o adolescente vai deixar de ser adolescente. A pessoa com deficiência vai envelhecer. A pessoa com doença mental vai envelhecer. Então, a velhice é o futuro desse país.
Outra coisa que eu gostaria que vocês pensassem é que muito em breve, daqui a 30 anos, de cada quatro brasileiros um será idoso. Nós somos esses idosos. Há dificuldades que nós temos em nos reconhecermos no velho e na velhice, mas ela vai nos alcançar muito mais rápido do que vocês pensam. Então vamos parar de pensar que velho é o outro. A minha velhice eu estou construindo agora, com as minhas escolhas e com as minhas circunstâncias.
Se eu for pobre, e aí eu trago o emblema do novo Governo da Presidenta Dilma, se eu for pobre eu tenho sete vezes mais chance de ser um velho com incapacidade. Se eu perguntar aqui para vocês, quem tem medo de morrer? Poucas pessoas vão levantar a mão ou alguns mais corajosos vão admitir. Quem tem medo de depender? (Quase toda a platéia levantou as mãos). Então, nós temos que combater a pobreza. Mas nós temos que fortalecer a perspectiva de envelhecer com dignidade. E isso não é tarefa pra uma política nem pra um conselho. Isso é uma tarefa do país inteiro. Isso é uma tarefa de gerações. Tem vezes que a gente vem à plenária do conselho e a gente sai motivado, “Poxa, nós conquistamos alguma coisa”. Tem vezes que eu saio da plenária do conselho pensando: nem na minha quinta geração esse país vai aprender alguma coisa em relação ao que seja envelhecer.
Desta forma, penso que o maior papel do Conselho Nacional do Idoso é ser portador dessa boa nova. Nós seremos velhos. Mas a velhice não é um problema de cada um, como tem sido tratado até agora. A velhice é uma conquista. E, como sociedade, nós precisamos conquistá-la. Isso significa garantir a chance de envelhecer com saúde, com dignidade, com trabalho, com respeito, com educação, com habitação, com moradia, com transporte, com a oportunidade de ser o que quiser, com autonomia, com direito a voto e a ser votado… Nós temos que garantir isso. Mas nós também temos que garantir o direito a políticas de cuidado, para o caso de a gente não envelhecer com tanta capacidade assim. E hoje nós trabalhamos para construí-las. Quando a Ministra colocou das terríveis situações que acontecem nos presídios, eu gostaria que nos próximos eventos você incluísse as instituições de longa permanência para idosos.
Os asilos são morredouros. Então, nós queremos mais deste Governo. Era para ser o último lugar de vida e não a ante-sala da morte. O Brasil nem tem idéia do quanto, pois eles não podem falar e a família tem vergonha de precisar colocar o idoso lá. Eu estou aqui com as mãos frias pelo compromisso que isso representa enquanto Conselho Nacional dos Direitos do Idoso. Porque quem está falando aqui não é uma pessoa idosa. Mas eu estou no lugar que representa 21 milhões de idosos. Então, essa pessoa que está falando está falando por todos da população brasileira que é o que o censo vai trazer aí. Então nós temos que estar preparados para essa nova realidade.
Os segmentos da criança e adolescente vão compor uma população, e vocês estão vivenciando isso, cada vez menor. Em contrapartida, a população idosa será uma população cada vez maior. E os direitos, que nós precisamos conquistar pra envelhecer com dignidade, nós temos que conquistar agora. Porque greve de aposentado, meus amores, não resolve. Então, a luta dos aposentados é uma luta que é nossa. Vamos parar de fingir que isso não nos diz respeito. Eu fico vendo as pessoas falarem em investir na infância. A coisa que a gente mais quer é uma infância bonita, bacana.
Porque a gente quer investir na infância. Mas nós, como defensores dos direitos das pessoas idosas, nós temos que parar de entender que na velhice a gente gasta: na velhice a gente não gasta. A gente investe.
Porque velhice também é uma fase de vida humana. Nós não temos data de abate. Se a gente tivesse data do abate… Né? Ia todo mundo bem, um belo dia, abate. Mas não é assim. Nós estamos trabalhando com a perspectiva de termos cada vez mais centenários, a população que mais cresce é população de mais de 80 anos… Um país rico é um país sem pobreza. Mas uma sociedade justa é uma sociedade justa pra todas as idades. É isso que nós, como conselho, queremos perseguir e para tanto vamos precisar de todos. E quando vocês perceberem ou presenciarem qualquer tipo de discriminação contra o velho, por favor, se manifestem. Porque isso é uma discriminação contra nós, contra qualquer um de nós.
E aí, Ministra, eu queria colocar que quando a gente quer mudar um pensamento, a gente tem que atuar na cultura das pessoas que estão com aquele pensamento. Nós temos que atuar na cultura das políticas públicas, que até hoje são políticas absolutamente reativas, reacionárias, passivas, tolerantes com o intolerável, com toda forma de violência e de indignidade.
E o velho de hoje já foi discriminado antes, durante a vida de trabalho. Ele foi um trabalhador sem direitos, ele foi um trabalhador sem Previdência, se ele trabalhou no meio rural ele só conquistou a aposentadoria depois da Constituição de 88, se ele é mulher e trabalhou no meio rural, até hoje está tentando conquistar sua aposentadoria, porque ela não teve como comprovar que ela trabalhou.
Eu creio que a nossa proposta como Conselho é tentar ser mais operante e proativo. E nesse sentido nós estamos de portas abertas. Nós queremos ir ao encontro do Conanda, do Conade, do Conselho da Mulher, dos Conselhos Estaduais, do Conselho contra a Discriminação, do movimento de memória e verdade… Porque esse país precisa da sua memória e as pessoas, quando a gente vê as homenagens que são feitas, as testemunhas da nossa história, estão todos velhos. Somos nós. É a nossa história.
Eu gostaria de concluir dizendo isso: o que a gente espera dessa Secretaria de Direitos Humanos? Que ela nos possibilite, como disse o meu companheiro Feitosa, que ela nos dê a infraestrutura. Infraestrutura em termos de assessoria jurídica, que nós não temos; de assessoria de comunicação, porque nós temos que ter visibilidade para fora, esse conselho não pode existir só para dentro. Infraestrutura em termos de apoio técnico de profissionais, que hoje a gente tem uma Secretaria-Executiva, mas ela é tímida para o tamanho do desafio que eu estou apresentando aqui para vocês, e infraestrutura de diálogo, para que a gente não se sinta isolado e numa constelação muito distante dos outros Conselhos.
Nós queremos integração, nós queremos efetividade e nós estamos à disposição de qualquer pessoa, de qualquer Conselho, de qualquer Comissão dessa Secretaria para tentar lutar a favor de um envelhecimento digno para todos.”
Conselhos dos direitos do idoso no Brasil
Extraído de: Editorial Cuidar de Idosos
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