"Quando a terceira idade no Brasil for um fato econômico sério, aí a publicidade vai dar gás à terceira idade e o valor que ela merece".
Essa afirmação de uma representante de um dos conselhos estaduais dos idosos, feita num seminário sobre as imagens dos velhos na mídia, estabelece, com propriedade, a relação fundamental entre a capacidade de consumo de um segmento social e suas imagens na mídia.
Os velhos e os avós são personagens presentes em um número grande e variado de narrativas produzidas em diferentes contextos socioculturais e ocupam espaços importantes na televisão, particularmente nas novelas e nos programas humorísticos.
Mesmo na publicidade, cresce o número de personagens mais velhas a tal ponto que algumas agências têm se especializado na contratação de idosos para responder à demanda crescente do mercado de propagandas por esses atores. Isso não quer dizer que esse segmento abriga consumidores considerados significativos do ponto de vista econômico ou que o idoso é o público alvo das narrativas mediáticas ou dos anúncios publicitários.
As pesquisas de mercado desde o final dos anos 70 ampliaram a faixa etária do universo pesquisado, substituindo o segmento que correspondia aos indivíduos com "40 anos ou mais", por outro mais velho, os de "65 anos ou mais". Entretanto, os especialistas em marketing também concordam que, diferentemente do que ocorre em boa parte dos países da Europa e na América do Norte, os mais velhos no Brasil são um segmento desprezado do ponto de vista do consumo.
A literatura que trata da imagem do idoso na mídia daqueles países têm apontado mudanças no tratamento dado à velhice depois dos anos 70. Até essa data, as imagens, na sua maioria, eram negativas e desrespeitosas com os idosos, acentuando os estereótipos da dependência física e afetiva, da insegurança e do isolamento. A dramaticidade dessas situações, às vezes, era substituída pelo elemento cômico, em que a teimosia, a tolice e a impertinência dos velhos apareciam como temas explorados, particularmente, nos programas humorísticos.
A partir dos anos 80, consideram os autores, o velho tende a ser representado de maneira mais positiva, passando a simbolizar o poder, a riqueza, a perspicácia, o prestígio social. Desses estereótipos positivos, como mostram os pesquisadores, não está ausente o sexismo, posto que são, sobretudo, os homens que ocupam essas posições de poder, tendo a mulher um papel secundário. Da mesma forma, eles chamam a atenção para o caráter conservador das novelas televisivas e dos outros programas em que o personagem de mais idade assume essa nova posição. Neles, a velha ordem é celebrada com a defesa dos valores e estilos de vida da sociedade patriarcal. De todo o modo, os autores acentuam que a imagem projetada do envelhecimento é mais positiva, em sintonia com a geração dos baby boomers, que ocupa atualmente um papel central na produção cultural, e que, ao se aproximar dos 60 anos, está empenhada em redefinir os padrões do envelhecimento.
Na mídia brasileira também estão presentes imagens antagônicas dos idosos que têm como referência a situação de dependência e passividade ou o poder. Nos anúncios publicitários, por exemplo, essas representações opostas da velhice podem aparecer num mesmo intervalo comercial.
Uma velha sentada numa cadeira de balanço, vestida com um xale e fazendo tricô levanta-se ao toque de uma campainha e abre a porta da casa para o filho, trocando com ele um largo abraço ao som da locução que divulga a promoção de uma companhia aérea para o mês de maio, mês do dia das mães, dando um desconto de 50% nas passagens.
A promoção de um caderno especial sobre a história do futebol tem como tema uma mesa de bar com três idosos conversando. Um deles tenta lembrar o nome de um jogador que perdeu um pênalti no final de um campeonato, mas não consegue, tampouco lembra o time em que ele jogava e nem mesmo o ano do campeonato. E o locutor diz: "Colecione a memória do futebol.
A propaganda de um carro tem ao fundo imagens do veículo de diferentes cores e no primeiro plano um velho dizendo de maneira arrogante que o carro "é um exagero porque tem um número de cores exorbitante. Verde assim, verde assado, azul assim, azul assado. Isto confunde e para que? Eu tenho dois ternos marrons há 20 anos. E está muito bom! Deviam fazer o C. com duas opções, branco ou preto. Para onde este mundo vai?" E o locutor encerra o anúncio dizendo que aquele é "um carro fora de série".
A imagem do idoso dependente, passivo e retrógrado convive com anúncios que realçam prestígio e poder. A propaganda de um Banco mostra a cena de um casamento em que o noivo/investidor bem-sucedido é um homem velho que se casa com uma jovem que poderia ser sua filha. Uma mulher idosa elegantemente vestida associa o café anunciado à tradição das mulheres de classe dominante.
Chama, no entanto, a atenção na publicidade brasileira o espaço cada vez maior que ganham as propagandas que associam ao idoso um outro conjunto de significados que remete à valorização de práticas inovadoras e subversivas de valores tradicionais, especialmente no que diz respeito à vida familiar, à sexualidade e ao uso de novas tecnologias. Nesses casos, o personagem velho parece competir com o que, até muito recentemente, era visto como papéis e posições exclusivamente adequadas ao jovem. Por exemplo, na propaganda de uma margarina, a família procura a vovó que, ao ser encontrada na cama com um homem velho, diz para os filhos e os netos que olham para ela espantados: "Calma, nós vamos casar". Em outros anúncios, a vovó ensina a neta a acessar sua conta bancária via internet, ou um homem velho consegue emprego depois de obter um diploma universitário. Na propaganda de um microondas uma velhinha afirma que o produto permite uma economia de tempo para fazer coisas mais agradáveis como, por exemplo, sexo; na de um shampoo para crianças, um casal de velhos se ensaboa numa banheira.
Os publicitários explicam o uso dos velhos na propaganda alegando, entre outras coisas, que o segredo do sucesso desses anúncios publicitários está no choque que essas imagens provocam, invertendo o que acontece na vida real ou então trabalhando com a dimensão aspiracional (como a dona de casa na meia-idade que compra a margarina gostaria que fosse sua velhice).
Contudo, nas novelas de televisão - cujo segredo do sucesso, seja qual for, é outro - é também cada vez maior a tendência de fazer com que valores e atitudes que antes eram associados a personagens jovens, tenham nos mais velhos a forma privilegiada de apresentação. Homens e mulheres de mais idade não são apenas personagens escolhidas para retratar poder e riqueza acumulada, mas também personagens que, às vezes competindo com os próprios filhos, envolvem-se em relações amorosas com indivíduos em faixas etárias mais jovens, estão dispostos a revolucionar a moral sexual vigente ou a denunciar a corrupção política no país e adotar estilos de vida alternativos.
A expressão do abandono e da solidão nas novelas tem certamente nos velhos um elemento forte, mas eles agora são também apresentados como ativos, capazes de oferecer respostas criativas ao conjunto de mudanças sociais, reciclando identidades anteriores, desenvolvendo novas formas de sociabilidade e de lazer e redefinindo as relações com a família e os parentes.
Da mesma forma, os jovens, oferecendo o contraste necessário a esse gênero narrativo, tendem a ser retratados como indivíduos dependentes da orientação paterna para dirigir suas vidas ou como seres dispostos a se utilizar de todos os meios para atingir seus objetivos de ascensão social; ou, ainda, como adultos prematuros encarregados de mostrar a seus pais ou familiares mais velhos que é preciso amadurecer e ter o cuidado de não se envolver em aventuras perigosas.
O drama da velhice é retratado em reportagens através da apresentação de velhos abandonados em asilos. Entretanto, já é praxe que nessas matérias, logo depois dessas imagens do abandono, sejam apresentados velhos, muito velhos, que continuam desenvolvendo atividades criativas, escrevendo livros, expondo trabalhos artísticos. "Velho é o seu preconceito", diz Cartola, um sambista que fez sucesso depois dos 65 anos, na propaganda da campanha para a vacinação dos idosos contra a gripe e o tétano. Na mesma campanha publicitária, Cora Coralina, poetisa que começou a publicar suas poesias aos 88 anos, assim como outras personalidades de sucesso mais velhas desafiam os preconceitos dos próprios velhos.
Cora Carolina |
O tamanho das filas para o recebimento da aposentadoria e a demora no atendimento dos direitos dos aposentados são também formas encontradas para retratar a condição de miséria e vulnerabilidade dos mais velhos. Mas os militantes do movimento apresentados pelos jornais e televisão confrontam essas idéias, mostrando-se bem articulados e empenhados em exibir o quanto são ativos, lúcidos, participantes e prontamente capazes de responder adequadamente a todo o tipo de preconceito e discriminação por parte do Estado e dos políticos.
As imagens do idoso na mídia revelam, sem dúvida, um compromisso com uma imagem mais gratificante da velhice e do envelhecimento. Esse compromisso, no entanto, tende a estabelecer uma nova fronteira entre os indivíduos de idade avançada, aqueles que rejeitam ativamente o envelhecimento e os que negligentemente se deixam envelhecer. A velhice é transformada numa questão de escolha a partir de um duplo movimento de re-significação.
A juventude, por um lado, perde conexão com um grupo etário específico, deixa de ser um estágio na vida para se transformar em valor, um bem a ser conquistado em qualquer idade, através do envolvimento em atividades motivadoras e da adoção de estilos de vida adequados. Por outro lado. a velhice é resultado de uma espécie de lassitude moral, um problema de indivíduos descuidados que não souberam se envolver em atividades motivadoras e consumir bens e serviços capazes de combater o envelhecimento.
As imagens do idoso na mídia são, assim, ativas na criação de novas hierarquias sociais, na medida em que a velhice e o envelhecimento passam a ser uma espécie de doença auto-infligida, resultado da negligência com o corpo e com o bem-estar. Ser velho ou se comportar como velho são questões de escolha, são coisas que poderiam ser evitadas se as opções cuidadosas e corretas tivessem sido postas em ação. Essas novas imagens da velhice - em sintonia com a cultura do consumidor, com certas práticas gerontológicas e com as políticas públicas interessadas em reduzir os custos da saúde - transformam o direito de escolha num dever de todos, numa realidade inescapável a que estamos todos condenados. A responsabilidade individual pela escolha é igualmente distribuída, mas sabemos que os meios para agir de acordo com essa responsabilidade não o são. Acrescentar liberdade de ação à desigualdade fundamental da condição social, impondo o dever da liberdade sem os recursos que permitem uma escolha verdadeiramente livre é, numa sociedade altamente hierarquizada como a brasileira, uma receita para uma vida sem dignidade, repleta de humilhação e autodepreciação.
Por Guita Grin Debert (antropóloga e professora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp)