domingo, 22 de maio de 2011

Aposentadoria... e agora?


Ronaldo aposentou-se. Apresentou ao público suas razões, em anúncio transmitido pela tevê: “Perdi para o meu corpo”. Mas não havia apenas lamento, desculpas e agradecimentos no discurso do maior artilheiro das copas do mundo. Ele falou de planos.

Embora se possa julgar que o ex-craque – aos 34, condição financeira absurdamente favorecida etc. – não serve de parâmetro, é possível encontrar no episódio similaridades com casos de, digamos, mortais comuns. De alguma maneira, ou de várias maneiras, Ronaldo preparou-se para a aposentadoria. Para os tempos em que deixaria de ouvir milhares a lhe saudarem nos estádios. Ele não pretende usar o (novo) tempo disponível somente para levar os filhos ao colégio bilíngue ou passear de barco por Angra. No pronunciamento, citou uma série de negócios a que pretende estar ligado no futuro – imediato e além.

É o que diz Ronaldo. E é o que se recomenda que se faça – uma preparação. Não só para gente de “menos idade”, “privilegiada”, como ele: a organização prévia é importante para todos. 
Uma tese de doutorado defendida recentemente na Faculdade de Medicina da USP trata do tema. Em “Fatores de risco à senilidade na transição à aposentadoria”, o psicólogo Juan Canizares estuda efeitos – psíquicos, sociais – do desligamento do emprego.

O médico Wilson Jacob Filho, professor da faculdade e diretor do serviço de geriatria do Hospital das Clínicas, observa que essa aposentadoria ativa necessita ser planejada. “O indivíduo deve, desde sempre, imaginar o que gostaria de fazer quando não estiver mais trabalhando. E, de preferência, ter respostas plurais: para ganhar algum dinheiro seria isso, para ter prazer seria aquilo... Ele deve, enfim, estar ciente que um dia irá se aposentar.”
 
Modelo antigo
Nosso modelo de aposentadoria foi estabelecido há meio século, época em que se acreditava que iríamos trabalhar por muito tempo (até por volta dos 60) e ficar aposentados por pouco tempo (uma década, mais ou menos). Pois o processo evolutivo, no que têm parte os avanços da ciência, se encarregou de tornar obsoleto esse desenho. “Hoje, uma pessoa de 60 anos tem plenas condições de começar alguma coisa, enquanto no passado ela estava em franca decadência”, avalia Jacob Filho

Não é férias
Erra quem acredita que a temporada pós-trabalho é constituída de uma liberdade que só traz benefícios, conforto. Há o lado positivo, naturalmente. Mas quem trabalhou a vida inteira pode imaginar que deixará de ser produtivo, de verter recursos para a família, para a sociedade. “E, às vezes, é o contrário, essa pessoa mantém a família com o dinheiro da aposentadoria”, pondera a gerontóloga Cláudia Ajzen, professora de psicologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). “Tudo depende de como ela se aposentou em termos financeiros. Infelizmente, o dinheiro vai reger grande parte desse sossego.”
 
Atividades adequadas
É consenso que a noção antiga que se tinha do aposentado – o sujeito em pijamas, vivendo repouso permanente – perdeu sentido. A medicina, sobretudo a preventiva, auxilia na manutenção do envelhecimento saudável. Houve também mudanças econômicas, sociais.
“As pessoas têm um valor de participação na comunidade, o que tem de ser estimulado sempre”, considera Marisa Aciolly, professora de gerontologia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP. “Aos que desejam continuar trabalhando, há empresas que oferecem serviços para idosos, com jornada inferior a oito horas por dia.”
 
Medo e depressão
Redução de dinheiro, prejuízo social, problemas de autoestima – são essas as contingências mais comuns enfrentadas por aposentados. Vivemos mais, e vivemos um tempo que dá extremo valor àquilo que é associado a comportamentos, e capacidades, dos jovens.
 
Jacob Filho ressalta que, na tese do psicólogo Juan Canizares, foram percebidos dois tipos de “medos” ligados à aposentadoria. O primeiro, mais usual, a perda de status: caem salários, bonificações. O segundo, a perda de prestígio: vale, principalmente, para posições de destaque, e Ronaldo e o ex-presidente Lula são exemplos notórios.

Se não é planejada, a aposentadoria pode ter implicações de ordem física e mental. Física porque a pessoa diminui o ritmo, move-se menos. Mental porque em geral a atividade cerebral diminui. “A repercussão é a piora da capacidade de raciocínio, cognitiva. O indivíduo passa, simultaneamente, por uma perda de autoestima, que pode ser a base para um estado de depressão.”
 
O estabelecimento de um plano permite a superação desse período de transição complicado. Que faz até Ronaldo, um célebre crítico da prática da concentração, admitir que sentirá falta do encarceramento involuntário dos jogadores às vésperas das partidas.
 
Leitura sobre o assunto: Portal da Saúde Unifesp
Imagem: Google Imagens

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